No diagnóstico de qualquer problema genético ajuda conhecer a história clínica da família tão detalhadamente quanto possível. Por exemplo, para os indivíduos de origem judaica, o médico procurará saber se os seus ancestrais foram de origem sefardita, oriental ou asquenaz, porque há doenças genéticas caracteristicamente encontradas num dos grupos e não nos outros. Frequentemente torna-se necessário examinar vários membros da família do doente até se poder chegar a um diagnóstico de uma anomalia genética com toda a certeza. Embora nos dias que correm, com os elementos de cada família espalhados pelo país - até por vezes pelo mundo fora - é difícil para o médico conseguir levar a cabo tal tarefa; o que torna ainda mais valiosa toda a recolha sobre a história da saúde familiar que cada indivíduo possa efectuar, para si e para os seus parentes. Para além de aumentar a fiabilidade do diagnóstico, será necessária uma história da saúde familiar completa para um eficaz aconselhamento genético. Porque tal aconselhamento incide não só sobre a probabilidade de haver outros membros da mesma família afectados, mas também sobre aspectos de prognósticos, tratamentos e suporte emocional. Mas um aconselhamento eficaz só se alcança, repete-se, com o conhecimento completo da história da saúde da família em causa.
Uma boa história da saúde familiar deverá incluir informação
sobre o próprio, os seus irmãos, os seus filhos e os seus
ascendentes e seus irmãos. Para as mulheres, o médico
provavelmente fará perguntas sobre algum aborto, espontâneo ou
provocado, nados-mortos ou crianças que faleceram na infância
e parentes que tenham morrido. É fundamental estabelecer uma
história pré-natal completa no caso de se iniciar uma nova
família. O que deve incluir menção do eventual uso de drogas,
consumo de álcool ou exposição a quaisquer doenças
infecciosas. Deve haver a preocupação de estar atento à
presença de deficiências congénitas na família, tomando nota
de quaisquer características ou doenças, relatando-as ao
médico
O conhecimento dos antecedentes étnicos da família, tal como o
local de nascimento dos pais, avós e eventualmente bisavós,
será relevante e uma informação importante. Na anotação dos
locais de nascimento deve registar-se não só o país, mas
também a cidade ou região e até o nome do hospital, se houver
essa informação. Porém, só muito raramente os genealogistas
conseguem dar resposta a todos estes pontos.
A título de exemplo para ilustrar os benefícios da tarefa de
reconstruir a história familiar surge a seguinte história
real: um dia telefona-me uma amiga, genealogista interessada,
perguntando se teria alguns dados sobre os padrões de
emigração dos italianos e espanhóis para a Irlanda e Escócia,
de onde a maior parte da sua família é originária. Isto porque
fora diagnosticada talassemia grave ao seu neto de seis
semanas e os médicos necessitavam de toda a informação sobre a
genealogia da família da criança.
A talassemia é uma forma
hereditária de anemia, que ocorre mais frequentemente nas
pessoas com origens no Mediterrâneo. Causa aumento do baço,
acumulação de ferro nos tecidos, dificuldades respiratórias e
atrasos de crescimento e desenvolvimento, sendo uma doença
grave e sem cura conhecida. O único tratamento possível requer
transfusões sucessivas, através de um processo complicado,
doloroso e dispendioso. "Preciso de saber se algum dos meus
familiares escoceses ou irlandeses tem raízes no Mediterrâneo,
especialmente em Itália.- disse a minha amiga. Ela própria
não descobrira qualquer elo, mas pensou que talvez houvesse
dados sobre migrações da região do Mediterrâneo para as Ilhas
Britânicas. Começou a procurar conexão entre a Irlanda e a
Escócia pelo lado materno, sem grandes conhecimentos sobre a
ascendência da criança pelo lado paterno. A sua avó, também
genealogista, investigou diligentemente as origens da família,
mas apesar dos seus esforços, não lhe foi possível encontrar
qualquer ligação conhecida com o Mediterrâneo. Todos os seus
familiares, e do seu marido, descendiam das Ilhas Britânicas,
tanto quanto foi possível determinar. A informação recolhida
sobre os antepassados paternos também só deu notícia de raízes
no norte da Europa. Os médicos da criança continuaram a
pensar que ela sofria de talassemia e recomendaram que todos
os elementos da família materna fizessem testes para rastreio
da doença. Mas apesar disso, com base em toda a fiável e
organizada informação genealógica recolhida pela avó materna
sobre as origens dos antepassados das duas famílias
envolvidas, resolveram primeiro refazer os exames à criança, e
aí descobriram que houvera um erro na interpretação dos
resultados do primeiro teste. Excluindo a talassemia, puderam
identificar e tratar a doença do bebé.
A história da família envolve mais do que a genealogia, que se
resume a detectar os antepassados em linha directa. Inclui
cartas genealógicas e linhagens, é afinal a história dos
nossos antepassados - com efeito, o conjunto das suas
biografias. Os genealogistas estão hoje em dia mais
interessados nas histórias de família, do que apenas nos
registos de nascimento, casamento e óbito. E reconhecem a
importância para os seus clientes de inserir informações sobre
a saúde dos ascendentes, mesmo sabendo que essa informação
recolhida poderá não ter uma utilidade imediata, mas que pode
vir a ter um valor incalculável a longo prazo. À medida que a
ciência da genética se vai tornando mais pormenorizada, uma
história de família alargada e bem documentada pode revelar-se
um investimento para os nossos netos e bisnetos e ainda
futuras gerações na sua busca por uma vida saudável.
Em 1984, a maior organização hereditária do país, com mais de
200.000 membros, a Sociedade Nacional de Filhas da Revolução
Americana (DAR), lançou um projecto de Árvore da Genética
Familiar em parceria com a Vanderbilt University's School of
Medicine em Nashville, Tennessee. A DAR investiu US$ 50.000
dólares em material informático para este estudo e os seus
membros forneceram milhares de cartas genealógicas médicas que
atravessam cinco gerações. Sarah Hughey King, então presidente
da DAR e a impulsionadora do projecto, impeliu todos os
membros a participar porque "diagnósticos precoces de
glaucoma, diabetes, deficiência da hormona do crescimento,
doença de Huntington, cancro, doenças circulatórias, dislexia
e Alzheimer, apenas para enumerar algumas (doenças genéticas),
torna possível um tratamento e, em muitos casos, previne
problemas na geração seguinte". "Temos muita sorte- observou
ela - "em saber quais as nossas origens. A nossa investigação
servirá de alento a outras que se seguirão." Sob a direcção do
Dr. John A. Phillips III da Divisão de Genética de Vanderbilt,
a investigação e catalogação da genealogia médica dos membros
da DAR continuou e os resultados virão a ser publicados.
Dora Resende Alves