A investigação genética e VHL

O ADN (ácido desoxirribonucleico) é o substracto bioquímico da vida e da hereditariedade. Todas as características do indivíduo estão escritas no ADN numa espécie de código. O ADN encontra-se em estruturas microscópicas que são os cromossomas. Cada indivíduo da raça humana tem 46 cromossomas, 23 da mãe e 23 do pai. Há 22 autossomas, numerados de 1 a 22, dos quais cada pessoa tem um par (duas cópias do cromossoma 1, duas do cromossoma 2, etc.) e um par de cromossomas sexuais, XX para as mulheres e XY para os homens. Em cada cromossoma estão os genes com as informações precisas e necessárias para construir proteínas. Cada gene tem duas cópias, uma herdada do pai e outra herdada da mãe. A doença de VHL é causada por um gene dominante, uma vez que basta uma cópia defeituosa do gene VHL para causar a doença. Cada filho de uma pessoa com VHL apresenta um risco de 50 % de herdar o gene defeituoso.

O gene VHL está localizado no braço mais curto do cromossoma 3 numa localização identificada como 3p25-26 (Figura 8). As equipas internacionais de investigação identificaram recentemente a estrutura deste gene. As alterações na normal estrutura deste gene resultam na doença de VHL.

O gene VHL codifica a fórmula de uma proteína cuja acção é extremamente importante na função chamada transcrição, que permite ao ADN transformar-se numa molécula mais simples, RNA, que é usada para fabricar a proteína.  

Figura: A localização de gene VHL
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O gene VHL fica na região 3p25-p26, perto do extremo do braço mais curto do cromossoma 3. Ilustração de Karen Barnes, Stansbury Ronsaville Wood Inc., para Howard Hughes Medical Institute, publicado no Blazing a Genetic Trail, 1991.

O gene VHL normal actua como um gene supressor de tumores, cuja normal função é impedir a formação de tumores. Para se formar um tumor ambas as cópias do gene VHL (uma do pai e outra da mãe) terão que estar inactivas. Num indivíduo que não herde o gene VHL alterado, é necessário que ambas as cópias normais do gene VHL tenham sofrido alguma alteração para que a proteína VHL fique inactiva e conduza à formação do tumor. É um processo lento que só com múltiplos danos causados nos genes da célula provocará a formação de um tumor. O que explica também que quando estes tumores ocorrem na população em geral envolvam geralmente um só órgão como uma ocorrência isolada, e a média de idade para aparecimento de cancro no rim seja de 62 anos na população em geral. A mutação ou inactividade do gene VHL foi detectada em 85 % dos casos, escolhidos aleatoriamente, de cancro do rim na população em geral estudados pelo Instituto Americano do Cancro (Duan, 1995). O que demonstra a importância deste gene e da proteína por ele fabricada para cada ser humano.

No caso das pessoas com o gene VHL alterado, que herdaram desde logo uma cópia do gene que não funciona correctamente, basta que a cópia remanescente não opere para que se possa formar um tumor. É muito mais fácil que isto aconteça, o que provoca o aparecimento de tumores mais frequentemente, em idades mais precoces e em mais órgãos do que na população em geral. Sem uma actuação preventiva, a média de idade para os primeiros sintomas de cancro no rim nas pessoas com VHL é de 42 anos (Figura 9).

Estas alterações (mutações) do gene VHL podem ser identificadas em 80 % das pessoas com VHL. A alteração costuma ser a mesma nos membros de uma mesma família. E reciprocamente, a alteração específica do gene será diferente de uma família com VHL para outra. Já foram descritas na literatura médica mais de 150 mutações individualizadas. Há uma relação privilegiada entre as mutações numa precisa localização do gene do VHL e as probabilidades de feocromocitoma. Os investigadores estudam a forma como outras mutações específicas poderão estar relacionadas com certos aspectos da VHL.

Figura 9: Processo de desenvolvimento de um tumor



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O gene VHL actua como um gene supressor de tumores. Para que se desenvolva um tumor ambas as cópias do gene VHL (a herdada do pai e a herdada da mãe) devem apresentar-se alteradas ou então inactivas. Nas pessoas com a doença de VHL, uma dessas cópias está à partida inactiva e basta um único passo para que se desenvolva um tumor. Ilustração de S. Richard e do Grupo de Estudo de VHL Francês.

Na maior parte dos casos, a alteração do gene VHL ocorreu há muito tempo atrás e a mutação originária foi transmitida através de várias gerações em cada família. Há casos de VHL na região da Floresta Negra na Alemanha e na Pensilvânia documentados desde 1600. Porém, em certos casos, talvez cerca de 5 %, a mutação surge pela primeira vez numa família sem nenhum dos pais estar afectado, alguém numa família surge pela primeira vez com o gene alterado de novo. Esta nova mutação é causada por uma alteração do gene no esperma do pai ou num óvulo da mãe ou no processo de cópia do gene nos primeiros estádios de divisão do embrião. A alteração do gene VHL assim criada será agora transmitida para os futuros filhos desta pessoa afectada, que deverão ser vigiados. Ainda não dispomos de estatísticas credíveis sobre a média de novas mutações de VHL. O número de casos de novo de VHL têm aumentado paralelamente à atenção dada à doença.

Dora Resende Alves